Quando os dias se movem




usamos nalgumas coisas uma violência simples
isso é romper os símbolos que envidraçam o resto
mas parte quem amamos quando os dias se movem
se escolheu os limites para a pele aderir

no fundo de nós mesmos omitem-se tais coisas
e criam-se ficções, defesas, crueldades
dos jogos da aparência (à vista nos perdemos)
e movem-se nos dias seus múltiplos contrários

e contudo se movem se quem amamos fere
e o faz de razão fria ou esquecidamente
e a alegria se torna um torpe imaginário
quem muito amamos mata: vai-nos desinventando

Poema de Vasco Graça Moura
 Photo: Unknown



Dorme. Os nenúfares estão à tua espera para que flutues sobre a água no teu sono. Os poetas mortos dir-te-ão o mar, o dilúviu e a sensação de não haver mais terra. Os vivos, apenas saberão viver sobre e sobre viver.
Photo: Sugarock99

Alter Ego

"As palavras são desnecessárias."
 
As palavras vão de boca em boca, de escrita em escrita. Dirigem-se a alguém, a ninguém. Não há combinações de palavras que consigam provar o que o olhar vê, o que os ouvidos ouvem, o que o nariz cheira, o que a alma sente. A invenção das palavras é uma prática antiga, mas não mais antiga que quem as inventou. Traduzem o amor, o ódio, o sentimento de quem as utiliza. Mas, jamais serão capazes de traduzir o SER na sua totalidade. Sou apenas corpo e espirito pertencente à terra, mas serei sempre somente só este corpo e este espirito e nunca os sentimentos de alguém transformados em palavras...

Ao bater, o coração repete o procedimento das estações e, seguidamente o encontro com a terra.
Dá-me flores e serei para ti primavera. Chora e molha-me a pele, poderei ser esse inverno. Sê o meu sol, aquecerei eternamente o nosso verão. Deixa-me uma folha seca de outono na caixa do correio, aprenderei a dizer adeus.

Photo: Unknown

Tantas vezes a verdade é uma mentira


O mundo é uma escolha. Somente o teu mundo te é fiel a ti mesmo e não há outro igual. O mundo dos outros é essa capacidade de transformar o teu e de lhe abrir as portas para o melhor e para o pior. As vezes o mundo dos outros quer receber do teu o que o deles não dá. As vezes tentas melhorar o teu com algo de novo e bom e o dos outros supõe que lhes viras as costas. Por vezes há mundos que aparecem e brevemente desaparecem. As vezes dás com carinho, porque é isso que importa, mas o mundo dos outros muitas vezes é um objecto  que precisa de objectos para ser ele mesmo. Por vezes dizes a verdade, mas como ela dói demais o mundo dos outros pega dela e transforama-a numa mentira e chama-te mentira, porque dói menos acreditar que tu próprio és mentira do que viver a verdade dele próprio. Quantas vezes não fazes pelo mundo dos outros o que ele nunca faria por ti e tantas vezes a verdade é considerada uma mentira.
Photo: Ponyhunter

Dentro do Silêncio

Dentro do silêncio existe um grito e uma voz. As ideias misturam-se com outras ideias e o silêncio continua a ser apenas silêncio. O meu silêncio. O teu silêncio. O fim da palavra amor.

Não há motivo para te importunar a meio da noite

Não há motivo para te importunar a meio da noite,
como não há leite no frigorífico, nem um limite
traçado para a solidão doméstica.

Tudo desaparece. Nada desaparece. Tudo desaparece
antes de ser dito e tu queres dormir descansada. Tens
direito a um subsídio de paz.

Se eu escrever um poema, esse não é motivo para te
importunar. Eu escrevo muitos poemas e tu trabalhas
de manhã cedo.

Toda a gente sabe que a noite é longa. Não tenho o
o direito de telefonar para te dizer isso, apesar dessa
evidência me matar agora.

E morro, mas não morro. Se morresse, perguntavas:
porque não me telefonaste? Se telefonasse, perguntavas:
sabes que horas são?

Ou não atendias. E eu ficava aqui. Com a noite ainda
mais comprida, com a insónia, com as palavras
a despegarem-se dos pesadelos.

José Luís Peixoto
 "Quando alguém procura pode acontecer que os seus olhos vejam apenas a coisa que ele procura, que não permitam que ele a encontre porque ele pensa sempre e apenas naquilo que procura, porque ele tem um objectivo, porque está possuído por esse objectivo. Procurar significa ter um objectivo. Mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objectivos."

Herman Hesse

Sonho.


Em que lugar da tua idade se perderam os teus sonhos? Frágil. Frágeis sonhos que habitaram outrora o teu coração e que foram morrendo afogados pelo sangue que ele próprio bombeia para te manter viva. O abismo não esperará nunca por ti. Não pode haver maior abismo do que este, maior grito, maior morte. Sonhaste com o mundo? O mundo é demasiado grande para a sua pequenez e demasiado pequeno para a sua grandeza. Sonhaste com o céu? O céu é um lugar por onde se poderá sempre passar, mas onde nunca se poderá permanecer. Sonhaste com o amor? O amor é apenas a reles ideia do que sonhas que ele seja, e se não morrer afogado pelo sangue que o teu coração bombeia, morrerás tu por ele.
Photo: Amelia Kay

Medo.


Existes onde o tempo te levou. Pelo caminho ficaram marcas na tua pele e a lembrança da fluidez da água a escorrer-te pelo corpo num dia de chuva em que todos os guarda chuvas foram proibidos. Não há nada a temer. Tu sabes que não há nada a temer. O tempo molda-te aos teus medos, aprendes a abraça-los e a dizer adeus.

Simples e Eterna

Digere com calma o monstro que existe dentro de ti, a linha de imperfeição que te separa do éden. Nos seus braços que se estendem como mantos pelas colinas ou na vista de um gato à janela a vida pode ser simples e eterna. Mas o esquecimento nunca se vai apoderar de ti, o esquecimento é cruel e mesmo que te dê um abraço, terás sempre a memória de que um dia te lembraste de mim.
Hoje vou apenas ser da brisa que vem de um lugar muito distante, o lugar onde o pecado foi apenas a inocência da tua mão na minha.

Somos apenas um momento no tempo


Somos apenas um momento no tempo, na eternidade que ele encerra. Eu e tu não passamos deste instante, desta ânsia, da efemeridade de um beijo. O beijo incerto, que não existe, que quer existir. O beijo que tem vida própria e vai onde quer. A outra cidade, ao cimo de uma árvore, à casa de alguém, ao outro lado da rua ou simplesmente até ao coração.
Photo: -

If you come closer I´ll show you how it feels

O que ouves lá fora que se confunde com o vento sou eu a bater-te à porta. Abre-a, convida-me para entrar, vamos abrir todas as janelas e deixar a brisa da primavera invadir os nossos sonhos. Vamos sonhar juntos. Adormecer, acordar num mundo melhor. Abre-a, diz que estavas à minha espera à muito tempo, na facilidade de respirar o pólen das flores.
Não me derrubas, eu não te pertenço
Eu sou do ar, o ar que é de todos e
Não é de ninguém. Sou da folha que cai,
Da planta que nasce, do encanto das açucenas
Quando cair, do chão não passo
Quando me levantar, sei que te ultrapasso
Não me derrubas, eu não te pertenço
E como a ave que voa:
Parto, chego e venço!

Mudez

 Pergunto: o que faz alguém merecer a tua mudez, a invenção da tua voz calada? O medo da união das palavras não pode ser suficiente. Ignorância e desprezo: mentira e mentira. Existe gravada na memória do éter a tua mão na minha, naquele tempo distante. Existe um certo brilho escondido no olhar. Existe a lua a observar-nos, tu na tua vida e eu na minha. Pergunto: se a lua tivesse boca, língua e dentes, se a lua soubesse gritar, não nos faria acordar um pouco desta condição de humanos imperfeitos?
Photo: Andy Bettles

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Não somos mais do que esta cólera que me consome. Não fazemos parte dos risos abafados pelas fechaduras, lá fora, nas esplanadas. Não observámos o chegar da primavera, nem nos demos conta que há muito mais para lá do silêncio.
Foto: Ann He

Animals


Não importa chegar, não importa partir, importa-nos apenas estar. E-S-T-A-R. O pensamento é apenas um incómodo que nos aturde as vidas. Não penses, sente, sente-me. Sente-te. O pensamento é amigo da razão e a razão nem sempre tem razão. Vamos ser animais. Não, não vamos... Esquece tudo, ama-me apenas.

A explixação do inexplicável


Arrastas-me. Devoras cada pedaço da razão que sobrevive em mim e arrancas do meu ser o instinto animal mais profundo e sem sentido. Diz-me, o que significa o brilho silencioso dos teus olhos e a ânsia louca dos teus lábios que calam quase tudo aquilo que sabem sobre o amor? Creio que o tempo deixou de existir.
Foto: Joanna Wozniak

Hoje...

"A cidade está deserta e alguém escreveu o teu nome em toda a parte: nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas... Em todo o lado essa palavra repetida ao espoente da loucura,ora amarga, ora doce, para nos lembrar que o amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura". O.V.

As minhas mãos desajeitadas debaixo do teu olhar

formaram uma chama de pensamentos na minha cabeça, tão agitados como o roubo do mel a uma colmeia. O que procuravas tu nas minhas mãos envelhecidas pelo trabalho e sofrimento da vida, nas entranhas desse mistério, desse silêncio que moveu o esboço de um sorriso nos teus lábios? Volta, e leva-me contigo.
Foto: David Byun

Sobre o sol de inverno

A ventania bate nos vidros das janelas e as canções de Primavera ainda estão longe de serem cantadas. O sol  queima-nos as cabeças e infecta-nos com dores nos músculos e outras complicações, mas sabe bem. Sabe bem ter-te por perto, debaixo do calor dos lençois, neste absoluto inverno.
Foto: Desconhecido

Sobrevivências

Tenho lidado com pessoas de todos os feitios e personalidades. A neutralidade com todas elas é regra de ouro, mesmo que um caso ou outro me surpreenda... E essa surpresa geralmente é muito comum de acontecer. Mas porquê surpreender-me ou diferenciar? Sinto-me bem porque dentro de mim essa neutralidade perante todas as pessoas surge de uma forma natural e não forçada. Todos têm os seus pontos fracos e o facto de em certas pessoas essas fraquezas serem mais visíveis e fortes, não significa que as tenha de tratar de forma diferente. Até porque é muito mais fácil alguém trocar uma blusa suja por uma lavada, do que trocar o egoísmo pelo altruismo, por exemplo. É triste que haja tanto preconceito e discrimição entre as pessoas. É triste que essas mesmas pessoas vivam nesse ciclo vicioso e vejam maldade onde ela não existe. Não é facil dar um sorriso a quem nos olha de lado, mas talvez se sorrir-mos em vez de retribuir-mos na mesma moeda, os outros mudem de opinião e possam também eles agir no mundo de outra forma.
Foto: D. Mo

Arco Iris

Sair de casa para fazer algo que não nos apetece não costuma ser muito agradável. Para alegrar as minhas expectativas, procurei uma estação de rádio que  me fizesse descontrair e ter mais vontade de carregar no acelarador. Descobri uma ópera leve e suave, capaz de ser bela aos meus ouvidos e descobri uma imensdidão de cores unidas no céu a iluminar o meu caminho.  Sem dúvida que este pequeno momento fez a diferença, a minha pré disposição mudou, e o mundo ficou melhor debaixo daquela pequena chuva e daquele pequeno sol.
Foto: Seljalandsfoss by Brin

Dos outros

 Olho repetidamente para o mundo à minha volta. Em todo o lado, milhares de objectos inconscientes de si mesmos. São os outros. Nunca estamos sós. Em cada imagem que me alegra ou entristece o olhar, está representado um nascimento, uma história, uma situção, uma dificuldade, uma dádiva, uma qualidade, um defeito, muitas pessoas. Nunca estamos sós.

 
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