E por cada lágrima que fizeres derramar,
Será uma tempestade que vais receber.

Escrevi.
Está escrito.
 
Photo: Unkown
 

Em Silêncio



O teu silêncio é meu. 
Pertence-me. 
E eu, 
em silêncio, criei com ele um ruído
 de palavras e significados.

 

É já tarde nesta noite. 
A chuva lá fora molha os telhados 
e cá dentro os pensamentos.
 O efémero exercício do esquecimento. 
Adormecer. 
Este coração anarquista. 
Quis Adormecer. 
Um destino morto. 
Quero adormecer. 
Não olhes demasiado além. 
Talvez tenha sido sempre já tarde.
E para sempre, adormecer.

Photo: Unknown

Um dizer ainda puro

 
imagino que sobre nós virá um céu
de espuma e que, de sol em sol,
uma nova língua nos fará dizer
o que a poeira da nossa boca adiada
soterrou já para lá da mão possível
onde cinzentos abandonamos a flor.

dizes: põe nos meus os teus dedos
e passemos os séculos sem rosto,
apaguemos de nossas casas o barulho
do tempo que ardeu sem luz.
sim, cria comigo esse silêncio
que nos faz nus e em nós acende
o lume das árvores de fruto.


diz-me que há ainda versos por escrever,
que sobra no mundo um dizer ainda puro.

-Vasco Gato-

Monólogo



- Deixaste de escrever?
- Sim.
- Há quanto tempo?
- Há muito, muito tempo...
- Adoeceram-te as mãos?
- Ainda não lhes quis dar um deus esse descanço.
- Roubaram-te a folha, lápis ou qualquer material de escrita?
- Estão e sempre estiveram mesmo aqui, junto de mim.
- Levou-te o vento o pensamento?
- Esse ser vivo, creio que em mim ainda (sobre)vive.
- Que te falta?
- Faltas-me tu, falto-me eu.

E quero que me faças voltar a escrever.

Photo: Unknown

A Flor do Sonho


A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína. 

Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim! ...
Milagre... fantasia... ou, talvez, sina... 

Ó flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!... 

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh'alma
E nunca, nunca mais eu me entendi...

-Florbela Espanca-

Soltas uma nota, prendes outra. A música continua, a vida continua. Por fim, um dos teus dedos se cansa, depois outro e outro, até as tuas mãos serem a reflexão do teu piano parado, cercado pelo sentimento de abandono que elas deixaram ao partir para outro movimento. Deixa-se abater pelo pó e pela espera. Ele espera. Um pássaro livre sempre vai e volta no acontecer das estações. Um pássaro que morre numa gaiola parte sem retorno. O piano sabe disso, e não resmunga.


Entra um silêncio líquido pela boca, o silêncio que se sente, que chega ao sangue, que se sabe silêncio líquido. Levanta-te, dá um passo. Olha-me e não me dês tempo. Sem palavras. O tempo e as palavras confundem-me enquanto o gelo se derrete e me leva a esperança do primeiro brinde. Tira-me o vinho, dá-me um beijo. O fundo vazio dos copos está sempre à espera de um milagre.
 
Designed by Lena Header image by Vladstudio